Thursday, February 09, 2006

Quem tem medo do Jô Soares?

Achei na internet um comentário ao livro de Jô Soares - O Homem Que Matou Getúlio Vargas. Surpreendentemente não o elogia. O autor J.D.Borges, agora no Digestivo Cultural, vai na contra-mão da unanimidade nacional; classifica a obra como um trabalho de principiante e atribui o consenso da mídia, quanto aos méritos do Jô escritor, a puro medo do Jô entrevistador. Aqui vai o miolo do texto:

"O Homem que Matou Getúlio Vargas", de Jô Soares, não passa de um romance de principiante, que, de notável, carrega apenas a tão conhecida tendência,
de seu autor, à megalomania. Como se explica então a intenção de reunir, em um único volume, algumas das passagens mais conturbadas do século XX, ressuscitando, ao mesmo tempo, personalidades complexíssimas? Desde o arquiduque Francisco Ferdinando e a eclosão da Primeira Guerra Mundial, até Getúlio Vargas e seu longo governo, passando pelo gangsterismo de Al Capone, pela espionagem de Mata-Hari, pelo esoterismo de Fernando Pessoa, pelas tertúlias de Picasso e seu grupo de Montmartre, pelas traquinagens de José do Patrocínio Filho, pela prisão de Graciliano Ramos, pelas produções da Metro Goldwyn Mayer, dentre otras cositas más?

Nenhum escritor sério se prestaria a isso. (Coisa que até um mero leitor de best-sellers pode aferir.)

O fato é que o inflado Jô jamais se contentaria em escrever um romance comum, sobre pessoas comuns, em paisagens comuns vivendo vidas comuníssimas. Tinha de juntar situações ímpares, tinha de unir personalidades especialíssimas, esbanjando erudição, rearanjando a História, redefinindo realidades, modificando destinos — como nem o próprio Deus ambicionaria.

O resultado, todavia, está bem aquém disso. O resultado é um angu-de-caroço sem tamanho — que quando não causa engulhos, desperta a benevolência e a comiseração do leitor para com a ingenuidade de seu artífice.

O resultado é uma salada de estilos (novela, policial, romance, épico, comédia, carta, diário, reportagem, poesia) e de recursos gráficos (cores, letras, fotos, quadros, indicações, manipulações, falsificações, terminações, capas, setinhas) que tentam, sem sucesso, encobrir a falta de assunto e de propósito da personagem principal, Dimitri Borja Korozec, e, em última instância, do livro.

O resultado é uma narrativa que se propõe acessível, mas que, no fundo, se presta apenas à divulgação de seu criador e de sua ostentatória sabedoria. Se assim não fosse para quê utilizar-se, por exemplo, de vocábulos tão rebuscados quanto "pascácio", "aziaga", "empáfia", "macérrimo", "algaravia", "aleivosia", "pressurosa", "passadiço", "torvelinho", "través", "sabujo", "vendilhões", "alijado", "puídos", "preamar", "singram", "estouvado", "coleando" e "altercação", numa obra que se supõe de entretenimento, e não de etimologia?

O resultado são construções tão antológicas quanto as seguintes: "Sou lotado na delegacia, era melhor usar alguém da rua" (pág. 91), "Os soldados passaram a exercer uma vida subterrânea" (pág. 130), "Erguia os punhos para a esmagar" (pág. 138), "Tem uma campanha pela frente com que se preocupar" (pág. 150). Ou trechos tão confusos quanto este: "Domingo, tarde da noite, em volta de uma das mesas, tacos de snooker na mão, três irmãos gaúchos, filhos de um influente general do Rio Grande, começam uma discussão tola com um aluno mineiro. Outro estudante, este paulista, também da faculdade, vendo o colega de Minas inferiorizado, entra na briga para defendê-lo. Atinge especialmente o mais jovem, um menino pequeno e franzino, aluno do curso de Humanidades, preparatório indispensável para mais tarde ingressar na faculdade. O garoto, ainda imberbe, acaba sendo espancado de forma brutal. Finalmente os demais freqüentadores conseguem apartar os rapazes, porém o mal já está feito. Ao sair trôpego do Bilhar, amparado por seus dois irmãos, ele jura vingança." (pág. 13)

O resultado é uma colagem enciclopédica e esdrúxula, em que nem a idéia central chega a ser uma novidade propriamente dita — dado que Dimitri Borja Korozec não é o primeiro homem-errado no lugar-certo e na hora-certa. (Vide Forrest Gump, de Robert Zemeckis.)

O resultado é a soma desconjuntada das obsessões pessoais do autor e dos envolvidos."

Como eu não li, não posso dizer nada. Mas o que vocês acham do livro produzido pelo gordo onze e meia?

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