Thursday, February 24, 2011

Tuesday, February 15, 2011

Sunday, February 13, 2011

Saturday, February 12, 2011

Tuesday, February 08, 2011

Sunday, February 06, 2011

Saturday, February 05, 2011

Friday, February 04, 2011

Wednesday, February 02, 2011

Aquecimento Global - 2011

A Religião do Chefe

JOÃO PEREIRA COUTINHO


SOU UMA fonte de desilusões. Convidam-me para almoçar, oferecem-me os petiscos mais caros do cardápio, fazem-me elogios estratosféricos e francamente imerecidos. No final, o verdadeiro propósito do repasto: um convite "irrecusável" para chefiar uma publicação portuguesa. Eu, como sempre, agradeço e recuso.
É então que o interlocutor faz um esgar de náusea como se eu tivesse insultado a mulher dele. Limpa os cantos da boca com impaciência, atira o guardanapo para cima da mesa e dispara: "Mas por quê?"
Eu tento explicar-lhe. Cinco, dez minutos de humildade sincera que não convencem ninguém.
O almoço termina em clima azedo e eu, com sentimento de culpa, prometo repensar o assunto (mentira: o assunto já está pensado e repensado). Despedimo-nos na rua com um aperto de mão. Gélido, apressado.
A minha experiência não mente: só existe uma coisa pior do que a vontade de poder, é a ausência da vontade de poder. Sobre a primeira, escreveram-se tratados, ensaios, exortações ou lamentos. Só a segunda nunca teve o seu Darwin (1809-1882), o seu Nietzsche (1844-1900). O seu Warren Buffett.
Injusto. A vontade de poder pode ser ofensiva para certos espíritos sofisticados. Mas a ausência dessa vontade ainda é mais.
Quando a exibo em público com uma displicência natural, de preferência perante o olhar pasmado de quem rastejou toda a vida pela simples possibilidade de "mandar" (repugnante verbo), sinto que cometo uma blasfêmia contra a única religião que sobreviveu intacta. A religião do chefe.
Tem sido assim no curso de uma vida. Várias vezes lugares de poder vieram bater-me à porta. Na universidade. No jornalismo. E até na política, onde aparece sempre alguém a "sondar-me": "Não estaria interessado em ser deputado? Diretor-geral? Eventualmente pertencer a um futuro governo como futuro ministro?".
Escuto os convites levemente divertido e, no caso da política, procuro imaginar onde errei para que alguém se tivesse lembrado de mim. Depois, recuso as benesses, sem a mínima hesitação.
Ninguém se convence. Ninguém acredita. A ausência da vontade de poder não é apenas uma ofensa e uma blasfêmia. É a origem de mil suspeitas. Se recusamos um convite, isso significa que esperamos outro. Maior. Melhor. Com mais poder.
Iniciam-se conspirações para saber ao certo o que escondemos na manga. Fazem-se telefonemas a amigos ou inimigos.
E a paranoia dos paranoicos aumenta à medida que nada se sabe e nada se descobre. Deixamos de ser pessoa confiável; passamos a ser um hipócrita e um manipulador. Passamos de bestial a besta. De convidado a acossado.
Ainda me lembro quando, anos atrás, recusei ser editor de um caderno qualquer num jornal de Lisboa. A estupefação foi tal que o próprio diretor se sentiu ameaçado. Se eu não queria editar, eu queria dirigir. Se eu queria dirigir, eu queria tomar conta do jornal. Se eu queria tomar conta do jornal, eu queria tomar conta do mundo.
Acabei por me demitir, depois de meses de inferno, com telefonemas histéricos e algumas ameaças pelo meio.
Chego à casa depois do almoço solene. Deixo passar uma hora, duas, três. Finalmente, telefono para repetir o que havia dito antes: "Obrigado, mas não, obrigado".
Faz-se um silêncio do outro lado da linha e a voz, impaciente e quase irada, replica com prontidão: "Mas afinal o que é que tu queres?". Ó Deus, cá vamos nós novamente.
© FSP 2011

Shakira

Monet - Le Pont

Tuesday, February 01, 2011

Luiz Felipe Pondé

LUIZ FELIPE PONDÉ

Adivinhe quem vem para jantar


VOCÊ NAMORARIA o porteiro do seu prédio? "O quê?!" Assusta-se a leitora, nesta segunda-feira, dia 31 de janeiro.
Hoje, o ano novo já mergulha na corrida sonambúlica de todos os anos velhos. Claro que seus planos para 2011 não darão certo.
Provavelmente você continuará menos amada do que gostaria, ganhando menos do que gostaria, com os mesmos amigos chatos, os mesmos namorados bobos (os melhores já estão "ocupados", como sempre, ainda que você possa, como sempre, tentar tomá-los das suas melhores amigas) e pegando o trânsito idiota de todo feriadão para ir a praias que são cheias de gente brega e mal-educada. Aquelas mesmas que invadem os aeroportos com seus quilos de bagagem e sua alegria de praça de alimentação.
Calma, talvez eu esteja apenas enganado, e em 2011 aconteça tudo que aquela vidente picareta disse para você que ia acontecer.
"Que diabos este colunista está querendo dizer com essa história de eu namorar o porteiro do meu prédio?" Mas, claro, ela não responde a minha pergunta, porque uma pergunta como essa pode revelar que ela não é tão legal quanto gosta de fazer parecer em jantares inteligentes.
Essa pergunta não é minha propriamente, mas de um amigo meu bem esquisito. Ele fez essa pergunta em meio a uma discussão sobre ter ou não ter preconceitos, e achei que era muito bem pensada. Na realidade, a conversa nasceu do meu desgosto com o estilo de vida "praça de alimentação". Esse meu desgosto deixa muita gente "legal" indignada. Pessoalmente, suspeito fortemente de gente "legal" e "indignada", confio mais em gente blasé.
Imagine você, toda bonita, magra na medida certa, dieta de baixo impacto calórico e bem-sucedida na profissão, mãe de um filho de 12 anos preocupado com o aquecimento global, enquanto deixa o quarto sempre desarrumado, até que você se descabele e comece a berrar "arrume esse quarto, menino!". Agora imagine você saindo com o porteiro de seu prédio, de mãos dadas, num desses restaurantes chiquinhos que você frequenta.
Do que vocês conversariam? Que tal sobre sua revolta contra preconceitos e contra injustiça social? Que tal um beijo na boca bem gostoso em nome da igualdade social? Você já viu aquele filme "Adivinhe Quem Vem para Jantar", com Sydney Poitier? Veja.
Antes que o plantão dos humilhados e ofendidos grite, também sou contra injustiça social e contra preconceito. Hoje todo mundo que sabe comer de boca fechada também sabe sofrer pelas criancinhas da África. Atualmente, ser contra injustiça social e contra preconceitos é tão banal quanto ler horóscopo todo dia de manhã.
Incrível como, suavemente, todos os ideais sociais modernos tombam, como o cristianismo já tombara desde a Antiguidade tardia, à hipocrisia social de salão.
Agora, imagine você, caro leitor, homem moderno, sensível, machista nem pensar, que acredita em redes sociais, que diz por aí que não tem medo de mulher (mentiroso, todo homem tem medo de mulher, principalmente quando está interessado nela).
Imagine que sua filha está a fim do porteiro do seu prédio. Imagine ela saindo com ele. Ele dirigindo o carro que você deu para ela. Que tal eles irem a algum churrasco na laje que ele frequenta? Ou, quem sabe, ir a alguma dessas igrejas por aí onde o Espírito Santo "baixa" e as pessoas pulam e gritam feito loucas "Aleluia, aleluia!"?
Que tal se sua filha quiser se casar com ele? Você paga pelo casamento? Que tal um filhinho com a cara dele? Você visitará a família dele no Nordeste?
Mas, atenção: nada de resort cinco estrelas ou pousadinhas de um holandês doidão que se cansou da Europa e veio em busca de uma natureza selvagem. Hospede-se na casa da família dele.
Agora, imagine nosso belo casal, tirando seus filhos dessas escolas chiquinhas que ensinam aos seus filhos "consciência social" ao preço de quase R$ 2.000 mensais, em bairros "nobres". Agora pense neles matriculando seus filhos em 2011 (afinal, ano novo, vida nova) numa escola pública onde o filho do seu porteiro estuda.
Agora convide seu porteiro para jantar. Qual é o nome dele mesmo?

© FSP 2011