Sunday, January 29, 2006

O Caminhante III

Três horas da tarde numa quentíssima capital do nordeste brasileiro. O caminhante, com aquele jeito de remediado, está no ponto de ônibus, afinal caminhar é preciso, mas não a pé naquele calorão. Não dá para saber se poderia pagar um táxi. Com um visual casual-negligente, ocupava seu espaço na sombra do abrigo, vale-transporte na mão.

O dito vale-transporte dá direito à uma passagem nos ônibus comuns, frequentados pela plebe.

Para os encalorados que se dispõem a pagar mais 10 centavos, micro-ônibus com ar refrigerado aparecem
a intervalos mais espaçados que os demais.

O caminhante mete a mão no bolso para pegar os centavos complementares, quando, repentinamente, surge um pedinte, espécie abundante naquelas horas quentes.

Um mendigo feíssimo, agreste e desprovido de qualquer humildade: ao mundo cabe dar o que ele precisa. e ponto final.

O mendigo estende a mão, já com várias moedas, ao caminhante:

-Me dá um troco para inteirar a passagem!

O caminhante olha para a moeda de 10 centavos no topo da pequena pilha na mão do pedinte e não se faz de rogado. Pede; voz baixa, confidencial:

-Eu estava precisando de 10 centavos...-Posso? Pergunta, estendendo a mão em pinça.

O pedinte viu o mundo virado às avessas. Estavam pedindo a ele! Vacila por um, talvez dois segundos, mas o orgulho fala mais alto. Desconfiado, pega a moeda e a dá ao caminhante, que simpático ainda confirma:

-Posso pegar? Sabe como é, nesses onibusinhos a gente tem que dar dez centavos a mais.

Nisso, o Mercedinho com ar-refrigerado encosta no ponto. O caminhante embarca feliz, passagem paga e complementada.

A porta se fecha e o motor ronca.

O pedinte fica olhando o ônibus se afastar no asfalto quente, rumo à praia. A dúvida se desvanece. Seu orgulho estava satisfeito.
Ele havia dado uma esmola.

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