Tuesday, January 17, 2006

Lição de Casa


Alegre-se e entristeça-se: existem muitas coisas que você (na verdade) não precisaria saber. Uma pressão cultural pelo conhecimento genérico de conceitos, dados, fatos, nomes e datas torna os currículos escolares um suplício para dois tipos de estudante: o pragmático e o criativo. O primeiro não consegue ver aonde ele vai utilizar tudo aquilo que é convidado a conhecer, falta-lhe a necessidade básica pela informação que lhe é fornecida, ele precisa de uma furadeira, o que vai fazer com uma tesoura de jardim ou com um alicate de unha? Já para o segundo, a necessidade da informação vai muito além do básico, ele a deseja para poder gerar nova informação e novas soluções. Só coletar material para ele é insatisfatório e significa realizar meia tarefa. Não sei se Aristóteles falava latim, mas a ele se atribui a frase Afirmatio unius non est negatio alterius - a afirmação de uma coisa não é a negação de outra. O axioma mostra-se verdadeiro: os dois tipos de estudante , aparentemente díspares, são na verdade variantes de um único. O pragmático é criativo na busca das melhores alternativas para o problema presente e o criativo é o pragmático com os olhos no futuro. No sistema de ensino vigente, só outros três tipos obtém sucesso: O primeiro é o dotado de inteligência instrumental, mas desprovido de senso crítico e da capacidade de transcender a si mesmo. O segundo - o determinado, capaz por obstinação de vencer a natural revolta provocada pelo agir sem motivação, digerindo dados, que de antemão sabe que o tempo mostrará inúteis. E finalmente o terceiro e último tipo; aquele que, por fuga, busca no acúmulo de informações uma oportunidade de ausência da realidade, viciando-se, muitas vezes, no processo.

No início da puberdade, a adequação escolar, que já podia apresentar dificuldades na infância, ganha agora um complicador; hormônios impregnam o cérebro do adolescente, tornando o estudo um interesse menor naquele bem resolvido no embate com a libido e um problema menor no caso contrário.

Quando falamos de estudantes bem sucedidos estamos nos referindo àqueles que efetivamente fizeram a lição de casa, que sabem a matéria e no caso de um vestibular concorrido são capazes de ingressar no curso pretendido.
Existe, no entanto, uma multidão anônima que frequenta escolas, produz monografias e no entanto não são mais do que estudantes de fachada. Obtém suas promoções nos diversos estágios escolares graças a um processo que privilegia a estatística da aprovação e terminam por colar grau, sabendo bem menos do que seria necessário para o exercício profissional a que se propõem. No Brasil um exemplo clássico são as provas da OAB, nas quais dos bacharéis em direito que se submetem ao teste, mais de 90% são sistematicamente reprovados. A OAB exige demais? As faculdades ensinam de menos? O aluno é vítima ou cúmplice? Como se concebe um cidadão com vocação para o estudo do direito não conseguir, após 15, 16 anos de estudo, o reconhecimento para o exercício da profissão pretendida? E o tempo gasto, o dinheiro investido? Junte-se a isso a questão do mercado de trabalho, se menos de 10% obtém seu registro na OAB, ficam faltando advogados no mercado ou este está feliz e satisfeito? Se todos fossem aprovados onde iriam montar sua banca? Talvez não tivessem vocação para a profissão e poderiam ser ótimos profissionais em atividades a que não foram sequer apresentados, não por falta de tempo, mas por deficiência programática do ensino fundamental e médio.

E você que está me lendo; de tudo que a escola lhe ensinou o que já lhe foi útil um dia? O que foi ferramenta para resolver um problema que atravancava o caminho? O que foi meio de obter alguma coisa almejada? Cuidado com a resposta. Saber que Napoleão foi imperador da França pode ter ajudado a passar no vestibular de medicina, mas com certeza não o fêz um bom médico. Se você fez especialização em oftalmologia, pense nos momentos em que você ganha a vida como um optometrista superqualificado, mas nem por isso capaz de acertar melhor a prescrição de uma refração. Pense em quanta coisa você aprendeu a repetir sem saber o que significa. Pense nas igrejas às quais você se filiou para livrar-se do desconforto de sentir-se ao relento da dúvida. Pense no que você sabe, tente imaginar o que não sabe e o que seria melhor talvez esquecer.

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