Thursday, March 30, 2006

Carlos Drummond de Andrade



Os Ombros Suportam o Mundo



Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



Shoulders Bear the World


Comes a time when you no longer say: my Lord.
A time of absolute purification.
A time when you no longer say: my love.
For love turned out to be useless.
And the eyes do not cry.
And the hands weave only the rough work.
And the heart is dry.

Women knock at the door in vain - you won't open it.
You keep to yourself, the light has burnt out,
but in darkness your eyes shine enormous.
You are convinced: you no longer know how to suffer.
And you expect nothing from your friends.

The aproach of old age matters little - what is old age?
Your shoulders bear the world and it weighs no more
than a child's hand.
Wars, famines, the arguments inside the buildings
prove only that life goes on
and not everybody has freed himself yet.
A few (the delicate ones), upon finding the show
cruel, would rather die.
A time has come when to die is useless.
A time has come when life is an order.
Merely life, without mystification.

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